TEOLOGIA EM FOCO: ÉTICA CRISTÃ E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS

quarta-feira, 9 de maio de 2018

ÉTICA CRISTÃ E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS



Texto Áureo
Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos (1ª Jo 3.16).

Verdade Prática

A doação de órgãos, bem como a de tecidos humanos, expressa o verdadeiro amor cristão.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE

1ª Coríntios 15.35-45: “Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão? 36 Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. 37 E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou de outra qualquer semente. 38 Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio corpo. 39 Nem toda a carne é uma mesma carne, mas uma é a carne dos homens, e outra a carne dos animais, e outra a dos peixes e outra a das aves. 40 E há corpos celestes e corpos terrestres, mas uma é a glória dos celestes e outra a dos terrestres. 41 Uma é a glória do sol, e outra a glória da lua, e outra a glória das estrelas; porque uma estrela difere em glória de outra estrela. 42 Assim também a ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção. 43 Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará com vigor. 44 Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual. 45 Assim está também escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante.

INTRODUÇÃO.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tem 64 mil pacientes na fila de espera por um transplante de órgãos. Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) mostram que 2.333 pessoas morreram à espera de um transplante no ano de 2015. Muitas famílias ainda rejeitam a doação por dilemas éticos e por falta de informação. Nesta lição, veremos os pontos mais relevantes ª desta importante questão e concluiremos que doar é uma expressão do amor cristão (1ª Jo 3.16).

A doação de órgãos é a concordância expressa, ou presumida, por parte de uma pessoa, consentindo que seus órgãos sejam retirados após sua morte para serem aproveitados por pessoas portadoras de doenças crônicas, visando aumentar-lhes sua sobrevida. A conclusão desta lição é clara: a doação de órgãos humanos é um ato de amor e de solidariedade. O verdadeiro cristão precisa atentar aqui para a sua consciência, que deve estar sempre alinhada aos parâmetros bíblicos para que possa atuar segundo a reta justiça. Considerando, ainda, o texto de João 15.13, dar a vida pelos amigos é considerado o maior amor que há na terra, mas será que estamos cumprindo os ensinamentos da palavra de Deus: “Já que tendes purificado as vossas almas na obediência à verdade, que leva ao amor fraternal não fingido, de coração amai-vos ardentemente uns aos outros” (1ª Pe 1.22). Dito isto, convido-o a pensarmos maduramente a fé cristã!

I. DOAÇÃO DE ÓRGÃOS: CONCEITO GERAL
A doação de órgãos engloba basicamente a técnica de transplante e as pesquisas com células-tronco adultas e embrionárias.

1. Definição de transplante. O transplante é um procedimento cirúrgico que consiste na remoção de um órgão enfermo do corpo humano para ser substituído por outro saudável. Em muitos casos, o transplante é a única alternativa da medicina para a cura de pacientes com determinadas doenças terminais. Podem ser transplantados órgãos como o coração, o fígado, o pâncreas, os rins, os pulmões, os tecidos e outros. O tipo mais comum de transplante é o da transfusão de sangue. Existe também o transplante de células-tronco que são encontradas, principalmente, na medula óssea, placenta e cordão umbilical. O transplante de células-tronco adultas pode ser realizado entre pessoas vivas e, portanto, não apresenta problemas éticos. Como a Bíblia ensina que a vida tem início na fecundação (Jr 1.5), a ética cristã desaprova o uso das células-tronco embrionárias, pois este procedimento interrompe vida do embrião.

Transposição de órgãos, tecidos ou células de um ser (doador) para outro (receptor). Podem ser transplantados pele, osso, cartilagem, veias, córneas, pulmão, coração, fígado, pâncreas, rim, intestino, medula óssea, células do fígado e células do pâncreas produtoras de insulina. O transplante é indicado nos casos de falência desses órgãos, tecidos e células, quando não há a possibilidade de recuperação de suas funções com outros recursos. Legalmente, a Constituição Federal Brasileira afirma o direito à vida, e a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, institui a legalidade sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, caso seja de livre vontade e autorizada pelo doador ou seu familiar responsável. O principal problema hoje é a desproporção entre o número de transplantes necessários e o de doadores disponíveis. Em virtude de melhores resultados alcançados, ampliaram-se as indicações dos transplantes e, com elas, ampliou-se, também, o número de pacientes em lista de espera. Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico e o das medidas de segurança contra acidentes levaram à redução do número de doadores mortos. No Brasil, a Lei dos Transplantes, que entrou em vigor em 1998, estabelece que todo indivíduo com morte cerebral é doador de órgãos, a menos que em vida tenha incluído o aviso de "não doador" em sua carteira de identidade. A ideia é reduzir a espera por órgãos.

[...] Órgãos, tecidos e partes do corpo humano podem ser doados para beneficiar a saúde de outra pessoa, desde que não cause prejuízo ao organismo do doador. O transplante é o procedimento cirúrgico de retirada do órgão ou tecido de um indivíduo, pode ser realizado em uma pessoa em vida ou morta, para colocar em outro ser humano que necessite dessa doação para viver. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde indicou que em 2016 o Brasil registrou o maior número de doação de órgãos dos últimos anos, no total foram 2.983 doadores, um crescimento de 5% em relação a 2015. Há muitos mitos que permeiam no senso comum das pessoas que precisam ser desmistificados. Para isso, aumenta a necessidade de conhecimento da lei de doação de órgãos e tecidos pelos profissionais da saúde e equipe hospitalar. [...] Onde é permitido realizar o transplante de órgãos? O artigo 2º da Lei nº 9.434 autoriza a realização do transplante de órgãos somente em estabelecimentos de saúde e médico-cirúrgicas de remoção e transplante permitidos pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde (SUS). Qualquer pessoa tem o direito de atendimento pelo SUS. Além disso, a doação só poderá ser autorizada após a realização de exames e testes para diagnóstico de infecção e infestação no doador.” (Conheça a lei sobre transplantes e doações de órgãos. [Disponível em: https://blog.ipog.edu.br/gestao-e-negocios/transplantes-e-doacoes-de-orgaos/ Acesso: em: 06 Maio, 2018].

A problemática quanto a utilização de células-tronco para transplante reside no fato de que os melhores resultados destas pesquisas são obtidos a partir de célula-tronco embrionárias e não de células-tronco adultas. Célula-tronco embrionárias só podem ser obtidas mediante manipulação de embriões, obtidos mediante a fecundação “in vitro”, e destinados a implantação em vista da gestação. Como nem todos são implantados, prevê-se o seu congelamento, mas não sua destruição. Agora se pretende utilizá-los, após três anos, para pesquisa, para isso, é necessário desprezar o embrião, mas isto constitui-se em eliminar uma vida, já que para os cristãos, a vida se inicia na fecundação (Jr 1.5). Com base nisto, cientistas movidos pela visão naturalista tem encontrado barreiras na tradição judaico-cristã conservadora, a qual tem lutado contra a pesquisa com células-tronco embrionárias.

[...] Células-tronco são células primitivas do organismo que tem poder de se replicar em sua forma primitiva ou de se diferenciar em tipos específicos de células, gerando tecidos dos mais variados. Quando ocorre a fecundação, aquela única célula constituinte do novo indivíduo, denominada célula-ovo, passa a sofrer múltiplas divisões, até que o embrião passe a apresentar uma forma de blastocisto, apresentando uma massa de células primitivas; é a partir destas células que todos os demais tecidos se desenvolverão. Estas células recebem a nomenclatura de células-tronco por tal motivo. [...] A partir deste pool de células-tronco é que o organismo desenvolverá seus folhetos embrionários: ectoderme, mesoderme e endoderme. Nestes folhetos ocorrerá a divisão e a especificação de cada órgão, a partir da diferenciação celular das células-tronco. De uma maneira simplificada, células-tronco” (O Cristão e a questão das células-tronco. Disponível em:https://farescamurcafurtado.wordpress.com/2017/06/07/o-cristao-e-a-questao-das-celulas-tronco/. Acesso em: 06 Maio, 2018)

2. O conceito de doação na Bíblia. O ensino registrado nas Escrituras assevera que "mais bem-aventurada coisa é dar do que receber" (At 20.35). Isso que denota um ato voluntário de prover o bem-estar do próximo. Trata-se de uma ação desprovida de interesse de ordem pessoal. A pobre viúva doou na casa do Senhor todo o sustento que tinha (Mc 12.43,44).
Barnabé - o filho da consolação- sem pretensão alguma, vendeu uma propriedade e fez doação da venda à igreja (At 4.36,37).

A excelência da doação repousa na disposição de renunciar, e até de se sacrificar e sofrer, com base no amor pelos outros (Rm 5.8). Doar ao necessitado é uma forma de colocar a fé em prática (Tg 2.14-17). E ainda, a reciprocidade está presente no gesto de doar, pois foi o Senhor Jesus que assegurou: “dai, e ser-vos-á dado” (Lc 6.38a).

De modo geral, podemos dizer que não há nenhum texto bíblico que proíba ou que permita doação de órgãos humanos, uma vez que a prática era totalmente desconhecida nos tempos bíblicos. Se um pai tem um filho que sofre de problema cardíaco-crônico, irreversível, a quem os médicos dão poucas chances de sobrevida, certamente deseja ansiosamente que os médicos encontrem um coração de alguém, que dê esperanças de sobrevida ao doente. Isso se enquadra no que a Bíblia diz em Mateus 7.12: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas”. Salvar a vida de alguém é sem dúvida, uma demonstração de elevado sentido espiritual e moral. Nosso Senhor Jesus Cristo não apenas doou alguns órgãos por nós, mas derramou toda a sua vida em nosso lugar, na cruz ensanguentada. Ele doou de corpo e alma, para que não morrêssemos. João nos exorta: “Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos. Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de Deus?” (1ª Jo 3.16,17). Nesse texto, vemos o apóstolo do amor ensinar que devemos “dar a vida pelos irmãos” e que os proprietários de “bens” no mundo que fecham o coração para os irmãos necessitados não têm a caridade de Deus. Podemos entender que um órgão a ser doado é um “bem” do mais alto valor para a salvação da vida orgânica de um doente.

[...] Deus é soberano e pode fazer de nós e conosco o que Ele quer. Assim, se Ele nos permite adoecer, é plano d’Ele. Ele nos fez, Ele é dono de nossas vidas. Como disse Jó, a respeito da perda de seus filhos e de seus bens: "O Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor" (Jó 1.21b). Todavia, a soberania de Deus não se aplica ao campo do livre arbítrio do ser humano, Assim, mesmo a despeito da soberania de Deus, entendemos que o ser humano pode dispor do seu corpo, de partes dele, e até da sua própria alma quando, por não querer aceitar a Cristo como salvador, determina o destino dela para a perdição (João 3.16-19).” (A doação de órgãos como expressão de amor. Disponível em:http://www.estudosgospel.com.br/estudo-biblico-polemico-dificil/a-doacao-de-orgaos-e-a-teologia.html. Acesso em: 6 Maio, 2018).

3. A doação de si mesmo: pertencemos a Deus. Diante de tantas bênçãos recebidas e com o sentimento de gratidão, o salmista pergunta para si mesmo: “Que darei eu ao SENHOR por todos os benefícios que me tem feito?” (Sl 116.12). Ciente de que a essência de adorar a Deus é entregar-se a Ele, o salmista responde para si mesmo: “tomarei o cálice da Salvação” (116.13). Esta expressão implica renúncia total ao mundo, à concupiscência e aos desejos da carne (1ª Jo 2.15-17). O Senhor Jesus ensinou que os verdadeiros discípulos devem negar a si mesmo (Lc 9.23). Esse é o compromisso de não seguirmos a forma mundana de viver (Rm 12.1,2), mas como servo obediente em priorizar o Reino de Deus (Mt 6.33), viver afastado do pecado e ser santo em toda a maneira de viver (1ª Pe 1.14-16).

A compaixão é uma expressão forte, pessoal, evangélica. Requer envolvimento, participação, solidariedade. Jesus compadeceu-se da multidão faminta e providenciou-lhes alimento. Compaixão é a virtude que nos permite entrar e participar da dor e da necessidade dos outros. É também a capacidade de preservar nossa humanidade – na medida em que entramos e participamos da vida do outro, com suas limitações, lutas, ambiguidades e sofrimentos, percebemos que não somos diferentes. Por outro lado, a sociedade em que vivemos estimula mais a competição do que a compaixão, intensificando o abismo entre os seres humanos. Na medida em que precisamos nos mostrar melhores, mais competentes, eficientes e fortes do que os outros, nos afastamos deles e, ao invés de olhar para o próximo como alguém semelhante a nós, vemo-lo com desconfiança, cinismo e medo.

[...] Muitas coisas estão postas para nós na Palavra de Deus, expressamente. Ademais, no Novo Testamento, há muitas declarações sobre o que o cristão pode e não pode fazer. No entanto, não encontramos na palavra de Deus nada que proíba ou que permita ao cristão dispor do seu corpo. É bem verdade que o apóstolo Paulo, em Gal. 4.15, fala que os gálatas, se possível fora, arrancariam os seus próprios olhos e lhos dariam. Isso, talvez por algum tipo de problema oftalmológico que incomodava o apóstolo e que era do conhecimento dos gálatas (Gl.6.11). Mas, o texto representa uma hipótese impossível para aquele tempo, o que deve ser entendido como uma metáfora. Portanto, como se diz em Direito: “Se não há lei, não há crime” (A doação de órgãos como expressão de amor. Disponível em:http://www.estudosgospel.com.br/estudo-biblico-polemico-dificil/a-doacao-de-orgaos-e-a-teologia.html. Acesso em: 6 Maio, 2018).

[....] A Moral Cristã. Isto quer dizer: aquele conjunto de regras válidas para a conduta de um cristão, levando-se em conta a natureza da fé e os alvos mais elevados da vida espiritual. Ora, aqui, o espírito altruísta do cristianismo, a começar com o Senhor Jesus Cristo, que deu Sua própria vida por nós, é aceitável a atitude de alguém doar do que tem e que não lhe servirá mais, para favorecer a outrem que ainda precisa daquele bem para prosseguir, um pouco mais, na jornada da sua existência. Portanto, a moral cristã, salvo melhor juízo, favorece a doação de órgãos do corpo humano para transplante.” (LIÇÃO 10 - O CRISTÃO E A DOAÇÃO DE ÓRGÃOS DO CORPO - 08/09/2002. Disponível em:https://www.apazdosenhor.org.br/profhenrique/licao10eticaedoacaoorgaos.htm. Acesso em: 6 Maio, 2018)

II. EXEMPLOS DE DOAÇÃO
1. O exemplo dos gálatas. A igreja na Galácia foi fundada por Paulo, quando este empreendeu sua primeira viagem missionária (47-48 d.C). Na ocasião o apóstolo sofria de uma enfermidade não especificada na Bíblia (2 Co 12.7). Ele escreve que orou a Deus três vezes para ser curado, mas o Senhor lhe respondeu: “a minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2ª Co 12.9a). Ao evangelizar na região da Galácia, Paulo deixou indícios de ter sentido os efeitos da doença em sua carne (Gl 4.13) e salienta que os gálatas não o desprezaram nem o rejeitaram (Gl 4.14).

Conjectura-se por meio desta passagem que a enfermidade de Paulo era nos olhos, ou que a doença lhe afetava a visão (Gl 6.11). Indiscutível é que para expressar o amor dos irmãos, ainda que de modo metafórico, o apóstolo fala do sentimento altruísta dos gálatas, que se possível fora, arrancariam os próprios olhos e os doariam no intuito de amenizar o sofrimento de Paulo (Gl 4.15).

A enfermidade contraída por Paulo é uma questão já muito debatida pelos estudiosos da Bíblia Sagrada, sem encontrar explicações. Como aqui o comentarista argumentou que fosse uma doença nos olhos, outros já disseram se tratar de malária, e outros, ainda, afirmam se tratar da perseguição que o apóstolo sofria por parte dos seus adversários, e esta última eu percebo como mais plausível, considerando o fato de que Paulo escreveu espinho na carne em contexto de perseguições vindas dos adversários. Em toda esta busca pela natureza do espinho, vale a afirmativa de Lutero: “o que as escrituras não afirmam com clareza, não devemos afirmar com certeza”. Esta conjectura feita pelo comentarista não faz muito sentido, pelo que o texto faz uso de uma figura de linguagem para descrever o desprendimento dos gálatas em socorrer o apóstolo – não havia a ideia de transplante de órgãos.

No tocante à doação de órgãos, o texto não faz referência, mas metaforicamente nos fala de sentimento altruísta, amor e de solidariedade. O verdadeiro cristão precisa atentar aqui para a sua consciência, que deve estar sempre alinhada aos parâmetros bíblicos para que possa atuar segundo a reta justiça. Note que o crente fiel que está na vontade do Senhor, ativo no serviço cristão, etc., não é imune a doenças, dores físicas ou fraquezas; mas Paulo encontrou irmãos que o amavam tanto que se naquele tempo existisse transplante de córneas certamente aqueles irmãos doariam em vida os seus olhos por amor ao irmão Paulo.

2. O desprendimento de Paulo. O apóstolo dos gentios é um excepcional exemplo de doação em prol do Reino de Deus. Transbordando de amor, ele escreveu aos Coríntios: “eu, de muito boa vontade, gastarei e me deixarei gastar pelas vossas almas” (2ª Co 12.15). Ao retornar da terceira viagem missionária em direção a Jerusalém, o apóstolo discursou aos anciãos de Éfeso: “Mas em nada tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus” (At 20.24). Dias depois, ao chegar em Cesareia (At 21.8), Paulo recebeu uma revelação acerca do perigo que corria em Jerusalém (At 21.10,11). Tendo sido persuadido pelos irmãos a recuar (At 21.12), o apóstolo constrangido declarou estar disposto não apenas a sofrer, “mas ainda a morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus” (At 21.13). O desprendimento paulino é uma ação digna de ser imitada pelos seguidores de Cristo (1ª Co 11.1).

O apóstolo dos gentios é um excepcional exemplo de doação em prol do reino de Deus, e ele mesmo recomenda: “sede meus imitadores, como eu também de Cristo” (1ª Co 11.1). Aliás, a recomendação aqui é que sejamos imitadores de Cristo, que é o significado do termo “cristão” (At 11.26), e isso implica em imitar a Cristo a ponto de ser confundido com Ele (1Jo 2.6), ainda mais se considerarmos que Cristo nos determinou seguir a regra áurea “...tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós” (Mt 7.12). Nossa entrega pelo Reino de Deus envolve amor à Deus e ao próximo; nesse sentido, o desprendimento de Paulo é exemplo válido, pois são ações altruístas carregadas de amor, zelo e dedicação para com o próximo.

3. A doação suprema de Cristo. Seguramente a morte vicária de Cristo é o maior e incontestável gesto de amor e de doação imensurável em favor do ser humano. Quando entregou sua vida por nós, pecadores. Ele afirmou que o fez voluntariamente: “ninguém me tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou” (Jo 10.18). As Escrituras afirmam que essa doação estava fundamentada exclusivamente no amor, uma vez que “Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). Foi por intermédio do sacrifício de Cristo, e de sua vitória sobre a morte, que fomos resgatados de nossa vã maneira de viver (1ª Pe 1.18-21).

Estamos acostumados a ver a morte de Jesus como resultado de dois julgamentos fraudulentos, um religioso por parte dos judeus e um político por parte de Roma, ambos culminando com a condenação à morte, e como esta foi executada por Roma, morte de cruz. Mas vale salientar que Jesus foi para a cruz não como consequência da inveja dos judeus, não pela traição de Judas ou pela covardia de Pilatos. A cruz foi resultado do amor do Pai; só houve o evento da cruz porque Cristo, voluntariamente, se entregou por amor, não levando em conta a ignomínia da cruz pela alegria que lhe estava proposta, a alegria de conquistar-nos com seu amor e salvar-nos por sua graça.

[...] O amor de Deus é eterno, imutável e incondicional. Deus não escreveu em letras de fogo, nas nuvens, seu amor por você, mas esculpiu esse amor na cruz de seu Filho. Deus amou você a ponto de dar seu Filho unigênito para morrer em seu lugar. Deus prova o seu próprio amor por você pelo fato de ter Cristo morrido em seu lugar, sendo você ímpio, fraco, pecador e inimigo. O amor não consiste no fato de você amar a Deus, mas de Deus ter amado você e enviado seu Filho como propiciação pelos seus pecados. Deus não poupou seu próprio Filho, antes, por você o entregou. Entregou-o para esvaziar-se. Entregou-o para ser humilhado. Entregou-o para ser cuspido pelos homens e pregado numa rude cruz. Não foi a cruz que gerou o amor de Deus por você, mas foi o amor de Deus que providenciou a cruz. Jesus morreu na cruz não para despertar o amor de Deus por você; Jesus morreu na cruz para revelar o amor de Deus por você. A cruz não é a causa do amor de Deus por você; é o resultado desse amor. A cruz de Cristo é a prova mais vívida de que Deus se importa com você e está determinado a salvar sua vida. Você não precisa buscar mais evidências do amor de Deus por você; ele já provou esse amor, em grau superlativo. O amor de Deus por você é abundante, maiúsculo e eterno”. (Fonte: Devocionário Cada Dia - Hernandes Dias Lopes)

III. DOAR ÓRGÃOS É UM ATO DE AMOR

O genuíno e excelso sentimento de amor constrange o cristão para ser doador de órgãos e de tecidos humanos.

1. O princípio da empatia e da solidariedade. A empatia pode ser definida como a capacidade de sentir o que a outra pessoa está sentido, ou seja, a disposição de colocar-se no lugar do outro. Ser solidário implica apoiar e ajudar alguém num momento difícil. Cristo nos ensinou no Sermão do Monte: "tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós" (Mt 7.12). Quando o ser humano entende o altruísmo do auxílio mútuo, os argumentos contrários à doação de órgãos perdem o sentido e a razão.

O que poderíamos fazer a fim de minorar a dor e sofrimento alheio hoje? Minha resposta, sem dúvida, é: sentir empatia! E estes textos não deixam minha resposta vazia:

“Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram” (Rm 12.15).
“Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus perdoou vocês em Cristo” (Ef 4.32).
“Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7.12).
“O meu mandamento é este: Amem-se uns aos outros como eu os amei” (Jo 15.12).
“Quanto ao mais, tenham todos o mesmo modo de pensar, sejam compassivos, amem-se fraternalmente, sejam misericordiosos e humildes” (1ª Pd 3.8).
“Lembrem-se dos que estão na prisão, como se aprisionados com eles; dos que estão sendo maltratados, como se fossem vocês mesmos que o estivessem sofrendo no corpo” (Hb 13.3).

“Portanto, como povo escolhido de Deus, santo e amado, revistam-se de profunda compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportem-se uns aos outros e perdoem as queixas que tiverem uns contra os outros. Perdoem como o Senhor lhes perdoou. Acima de tudo, porém, revistam-se do amor, que é o elo perfeito” (Cl 3.12–14).

Com isso em mente, precisamos estar no lugar daqueles que estão numa fila de espera por transplante, que, além da barreira da especificidade da morte, precisam contar também com a solidariedade dos familiares, que são responsáveis pela decisão final pela doação.

2. O princípio do verdadeiro amor. Amar a Deus e ao próximo como a si mesmo é o resumo da lei de Deus (Mt 22.37-40). Cristo ensinou que não existe maior amor do que doar a sua vida ao próximo (Jo 15.13). O Salvador não doou apenas um ou outro órgão para salvar nossas vidas. Ele entregou a sua vida por inteiro para que não fôssemos condenados à morte eterna. João nos recorda esse ato e nos exorta a fazer o mesmo: “Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos” (1ª Jo 3.16). Portanto, doar órgãos para salvar outras vidas é um sublime ato de amor.

[...] A marca mais evidente de nossa época é o individualismo. Na verdade, o individualismo está presente em nossa sociedade desde a proposta feita a Adão e Eva pela serpente astuta: “É assim que Deus disse: Não comereis der toda árvore do jardim? (…) É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.1-5). [ULTIMATO Online].

Por outro lado, o orgulho, a vaidade, a autossuficiência, todos derivados de um coração soberbo, são desastrosos, porque impedem, dentre outras coisas, que busquemos ajuda tanto em Deus quanto nas pessoas ao nosso redor, como também, abre um abismo para a empatia. Nós nos consideramos tão autossuficientes, que não vemos no outro um ponto de apoio e refúgio nos momentos de necessidade. Quem comanda é o “eu”, o ego detém as razões e soluções.

[...] A Palavra do Senhor nos ensina que a vida cristã não pode ser vivida isoladamente (Hb 10.25), pois somos uma família (Ef 2.19), escolhida antes da fundação do mundo (Ef 1.4) para viver em comunhão uns com os outros (At 2.42-47), com alegria e devoção e, especialmente, cuidando uns dos outros, pastoreando, aconselhando, admoestando e orando (Cl 3.16-17; Tg 5.16). A vida cristã precisa ser fundamentada no “eu preciso de você”. Devemos declarar uns aos outros a nossa incapacidade de lidar com os problemas, e reconhecer que somos devedores uns aos outros do amor com que somos amados pelo Senhor. [ULTIMATO Online].

Somente o Espírito Santo é capaz de nos tornar empáticos e próximos, a ponto de se alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram (Rm 12.9-21). Peter Beyerhaus afirmou:

[...] A obra do Espírito Santo é tão corporativa como individual. Ele constrói a vida da igreja estabelecendo o elo místico entre Cristo, a cabeça, e a igreja, seu corpo. Mediante essa obra, a presença real do Senhor é sentida na adoração da congregação. Ele equipa a igreja para sua missão por meio de ministérios e serviços vocacionais. Como aquele que convence, ele abre o caminho para o mundo descrente. Os charismata, ou seja, dons espirituais complementares, unem todos os cristãos como membros de um só corpo para o serviço mútuo (1ª Co 12)” [Peter Beyerhaus, Dicionário de ética cristã, Carl Henry (org.), Editora Cultura Cristã].

CONCLUSÃO. A doação de órgãos em vida, ou depois de morto, é um elevado gesto de amor. Esta ação em nada contraria os preceitos éticos ou bíblicos, exceto no caso de células-tronco embrionárias. Porém, ninguém deve ser forçado à prática de tão nobre gesto. O ser humano não pode ser “coisificado” e nem sua vontade pode ser desrespeitada. Doador e receptor expressam a imagem e a semelhança de Deus (Gn 1.26).

Do que foi exposto nesta lição, entendemos que seja perfeitamente aceitável ao cristão a doação de órgãos, tecidos, aqueles que são possíveis em vida e todos aqueles que possam ser aproveitados após constatada a morte. Não precisamos temer qualquer implicação disso na ressurreição. Não há na Bíblia nada contrário à doação de órgãos, aliás, no Novo Testamento, temos justamente o ensino de Jesus quanto ao desprendimento para com a própria vida (e corpo), ao ponto de Ele próprio ter dado sua vida para nos salvar. Ou seja, sabemos que nossa vida não se limita a este corpo, e se for preciso até mesmo que um cristão morra para salvar seu semelhante, isso é visto como um ato de amor, não de desprezo para consigo mesmo.

“Achando-se as tuas palavras, logo as comi, e a tua palavra foi para mim o gozo e alegria do meu coração; porque pelo teu nome sou chamado, ó Senhor Deus dos Exércitos”. (Jr 15.16).

Lições Bíblicas. CPAD, 2º Trim 2018, Lição 7, 13 Maio 18.


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